CRÍTICA | JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES

Era março de 2012 quando o primeiro filme da franquia Jogos Vorazes iniciava a sua incrível jornada nos cinemas, arrecadando mais de U$$400 milhões somente nos EUA e conquistando milhares de fãs pelo mundo. Baseado no romance de Suzanne Collins – uma trilogia, na verdade -, Hunger Games mostrava a américa do norte pós-guerra, um país distópico chamado Panem, dividido em doze distritos onde, a cada ano, dois tributos de cada região eram escolhidos na “colheita” para batalhar com outros jovens em uma arena até a morte, restando apenas um. A protagonista era Katniss Everdeen do distrito 12 que, junto com seu amigo Peeta Mellark (Josh Hutcherson), precisavam sobreviver aos jogos e enfrentar a capital – em especial o presidente John Snow (Donald Sutherland) - ao longo de outros três filmes: “Em Chamas”, e “A Esperança - Parte 1 e 2”.

Na franquia, fomos apresentados aos 74ª e 75ª edições dos Jogos Vorazes, mas e se pararmos para pensar: como surgiram os jogos, ou como eram os jogos nas edições anteriores? A autora dos livros, Suzanne Collins, publicou em 2020 “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, com a trama acontecendo 64 anos antes do primeiro livro/filme, apresentando mais detalhes sobre a origem dos Jogos Vorazes e de como Coriolanus Snow (Tom Blyth) se tornaria o temido presidente Snow (Donald Sutherland). Na 10ª edição dos Jogos Vorazes, são selecionados mentores da capital para treinarem os tributos escolhidos, uma grande oportunidade para o jovem Snow melhorar a reputação de sua família. Com isso, ele fica responsável por orientar a jovem Lucy Gray (Rachel Zegller), do distrito 12. Peter Dinklage, Viola Davis, Jason Schwartzman e Josh Andrés Rivera estão no elenco.

Os dois primeiros filmes, “Jogos Vorazes” e “Em Chamas”, eram muito mais trabalhados em questão de cenários, figurinos, era mais estiloso. Já “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” é um pouco menos: não tem aquele “glamour” de antes, os figurinos exóticos, as cores, e a arena é mais simples e menor. Claro, estamos falando dos primeiros jogos vorazes da história, ainda estavam se aperfeiçoando e muita coisa ainda não tinha – algumas regras, os presentes dados aos tributos pelos patrocinadores -, além de a capital não saber como lidar direito com esse novo entretenimento, já que o público estava perdendo o interesse. Faltava um certo “Snow” no comando. Com 2h45min de duração, o novo Jogos Vorazes pode ser dividido em duas partes: a primeira é a colheita e os jogos na arena, a mais interessante, com um ritmo ágil e que prende a atenção do público rapidamente; além das várias referências aos primeiros filmes. A segunda é todo o trecho final, que tem uma brusca mudança de ritmo, focando mais no drama e romance dos protagonistas do que a ação. Aqui vemos como realmente Coriolanus Snow se tornaria o temido presidente Snow.

A trama de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes foca no jovem Coriolanus Snow (interpretado por Tom Blyth) antes de se tornar o temido presidente Snow, o antagonista de Katniss Everdeen na quadrilogia original. Aqui vemos um Snow mais humano, afinal todo vilão já foi “bonzinho” alguma vez, criando uma empatia com o público de imediato. Isso é reforçado quando ele se torna mentor de Lucy Gray (Rachel Zegller), o tributo feminino do Distrito 12, formando uma dupla memorável e cheia de sintonia. É interessante como o roteiro mostra a diferença de classes entre os dois protagonistas, mas no fim, acabam tendo os mesmos ideais e ficam do mesmo lado do confronto, e é isso que reforça a conexão entre eles. Tom Blyth consegue transmitir muito bem a ambiguidade de Snow, construindo um personagem intenso e carismático, mas sempre com uma índole duvidosa. Rachel Zegller faz uma Lucy misteriosa e adorável, se mostrando determinada a vencer na arena, nada tão memorável como a Katniss Everdeen de Jennifer Lawrence, mas mesmo assim consegue instigar o público a torcer para ela e vibrar quando confronta a capital e a diretora da 10ª edição dos jogos, Dra. Volumnia Gaul (Viola Davis).

Dos coadjuvantes se destacam Peter Dinklage, que interpreta o criador dos jogos vorazes, Casca Highbottom, Jason Schwartzman, o apresentador da 10ª edição, Lucky Flieckerman, fazendo uma referência ao Caesar Flieckerman de Stanley Tucci, e Viola Davis como a diretora da 10ª edição dos jogos. Claro que Viola se sobressai com sua vilã Volumnia Gaul, fazendo uma personagem intensa e cativante, mesmo aparecendo poucas vezes em tela.

A franquia Jogos Vorazes sempre teve uma forte crítica social, muito mais do que as adaptações que surgiram na época: diferenças entre classes sociais, repressão, governo corrupto, e transformando Katniss Everdeen em um símbolo da resistência contra a capital e o governo de Snow. Já A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes faz uma crítica ao fascismo, a violência, faz o público refletir sobre empatia, as escolhas que fazemos e as consequências, além de trazer todas as críticas que a franquia sempre fez. Aliás, essa crítica social é o que mais fez a diferença, fazendo com que a franquia se destacasse entre as várias outras que surgiram na época.

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes repete a dinâmica dos dois primeiros filmes, mas não perde tempo explicando o funcionamento dos jogos – já teve dois filmes explicando tudo -, além de trazer toda a ambientação, o cenário político e as críticas sociais que a franquia sempre teve. Com isso, a adaptação de Francis Lawrence da obra de Suzanne Collins acaba se tornando um filme independente com muita história e surpresas para contar, com violência sem exageros, um romance inusitado, mas ainda sem o glamour, o apelo dramático, e os cenários futuristas das produções anteriores. Claro, a trama se passa 64 anos antes de Katniss Everdeen se tornar vitoriosa nos Jogos Vorazes. Apesar do terceiro ato ser um pouco arrastado e destoar do restante da trama, o novo capitulo da franquia é envolvente e mantém o nível dos outros filmes, sustentado pela atuação do casal protagonista, Rachel Zegller e Tom Blyth. E diferente de outras franquia recentes - Animais Fantásticos -, foi uma adição certeira ao universo de "Hunger Games”.