Ninguém esperava o sucesso absoluto do filme do Coringa, em 2019: agradou o público e a crítica, arrecadou mais de U$1 bilhão nas bilheterias, e rendeu um Oscar para Joaquim Phoenix, que interpretava o vilão do título. O diretor Todd Phillips criou um estudo de personagem – no caso, do Coringa -, com sequências chocantes, pesadas, e um clima sombrio e melancólico. Além disso, grande parte do publico esperava um filme de super-herói com bastante ação e efeitos especiais – algo como a trilogia do Batman de Christopher Nolan -, mas foi extremamente ao contrário e acabou frustrando muita gente também.
Uma continuação estava nos planos da Warner, mas os seus produtores não queriam, causando um impasse entre a equipe toda. Cinco anos depois, o infame personagem retorna para uma sequência, o que criou muitas expectativas em torno da escalação de Lady Gaga como Arlequina, e pelo fato de o novo filme ser um musical. Então, temos o controverso Coringa: Delírio a Dois, trazendo o retorno de Joaquim Phoenix e do diretor Todd Phillips, em uma sequência que foi massacrada pela crítica e por grande parte do público (amargando com menos de 30% de aprovação), podendo um dos maiores fracassos do ano. Mas Coringa 2 é tão ruim assim? A trama acontece meses depois do evento do primeiro filme, mostrando Coringa preso no Hospital Psiquiátrico de Arkham aguardando o seu julgamento. Lá, ele acaba conhecendo Harleen "Lee" Quinzel (Lady Gaga), conhecida como Arlequina, e os dois acabam se apaixonando. Brendan Gleeson, Catherine Keener, Harry Lawtey, e Steve Coogan também estão no elenco.
Com Coringa: Delírio a Dois, Todd Phillips poderia ser seguido pelo caminho mais óbvio: o vilão poderia ter escapado do hospital psiquiátrico junto com Arlequina, e os dois causariam o maior caos na cidade de Gotham, o que deixaria o público e a crítica mais felizes. Mas não. O que o diretor cria é um thriller psicológico envolvendo o julgamento de Arthur Fleck com números musicais, mas que na minha perspectiva não era para ser um musical, de fato. Intercalando a sua rotina em Arkham com o seu julgamento no tribunal, de um lado temos Harvey Dent (Harry Lawtey) tentando provar que Arthur Fleck/ Coringa é um psicopata cruel que deve ser condenado a morte, e do outro, sua advogada (Catherine Keener) tentando provar que ele sofre de um transtorno mental grave e que precisa de cuidados médicos. O julgamento em si demora um pouco para acontecer, e é aí que entra questões interessantes, como a forma que a mídia age em casos de julgamento popular, e como grande parte do povo idolatra um psicopata assassino. Essas críticas sociais, junto com a abordagem do julgamento do personagem, ficaram mal executadas e não tem aquele apelo dramático necessário para um filme desse estilo.
Mas com certeza a maior polêmica de Coringa: Delírio a Dois é pelo fato de ser um musical. Não vejo grandes problemas por causa disso, mas a minha única ressalva é que parece que esses números musicais ficaram meio que perdidos na trama, e somente uma ou duas cenas que a introdução de um número musical acabou dispersando a atenção do público. E apesar de não ser bem conduzido por Todd Phillips, os números musicais são ótimos – e não aparecem o tempo todo como muitos estão falando -, tanto Gaga quando Phoenix estão ótimos, e a direção de arte e as cores são belíssimas, conseguindo representar bem a loucura que está dentro da cabeça de Arthur Fleck. Aliás, esses números musicais representam exatamente isso, uma válvula de escape, um delírio de Coringa (e até da Arlequina), e tem um papel muito importante para a trama. Outro destaque na parte técnica é a direção de arte, principalmente a ambientação do Hospital Psiquiátrico Arkham: os ambientes fechados são sombrios, e conseguem – de certa forma -, mexer um pouco com o público, mostrando um lugar triste, melancólico, e sem esperanças, de completa loucura.
Quanto as atuações, Joaquim Phoenix e Lady Gaga estão incríveis, inclusive nos números musicais, como já disse anteriormente. Diferente do primeiro filme, em Coringa: Delírio a Dois, o vilão acaba entrando em um conflito pessoal, e Phoenix consegue demonstrar muito bem essas nuances do personagem, e claro, tem aquele jeito psicótico e bipolar de Coringa que ele conseguiu criar com perfeição, intensidade e impacto. Aqui, o roteiro explora mais Arthur Fleck do que o Coringa em si, principalmente pelo seu julgamento, e sobre quem ele é realmente e o que os outros esperam dele. Lady Gaga também está ótima no papel da Arlequina, e faz uma vilã bem diferente da que vimos no Universo Cinematográfico da DC, parecendo nem ser a Arlequina, de fato. No filme, ela tem um papel mais manipulador e definitivo para “extrair” o Coringa de Arthur Fleck, tudo para satisfazer os "fãs” do Coringa, que são apenas pessoas que buscam “um líder” que os representasse nas suas loucuras mais intimas. Arthur acaba se apaixonando por Arlequina, e a química entre o casal é de altos e baixos, mas que entram em sintonia principalmente nos números musicais. Mas dá a sensação de que esse romance aconteceu muito rápido, e pelo que eu entendi, acaba tendo um motivo para ser assim. Juntos, Gaga e Phoenix estão ótimos e cativantes, transmitem leveza, e tem química, mas não é aquela química intensa que todos estavam esperando.
Coringa: Delírio a Dois não é um filme perfeito, mas está longe de ser ruim da forma absurda que estão dizendo. O maior problema é que acabou não sendo o que todo mundo esperava, algo parecido com o que aconteceu com o primeiro filme. É uma produção intensa e pesada, não segue um caminho fácil e sai da zona de conforto do espectador: Coringa 2 continua sendo um “estudo de personagem” – de Arthur Fleck/Coringa -, mas ainda mais aprofundado e complexo do que o original. Os números musicais não são em excesso como estão falando, mas tem uns dois que acabam ficando fora de contexto, e até entendo do porquê o diretor Todd Phillips disse que o seu filme não é um musical, mas sim, é um musical. Mesmo com um ritmo mais lento, tem seus momentos de tensão – seja durante o julgamento ou em Arkham -, algumas surpresas, e um final chocante que dividirá o público. No mais, Coringa: Delírio a Dois é ousado na sua proposta de ser um musical, e mostra uma nova visão para a história do personagem, sobre quem ele é e o que representa para a sociedade. E você, o condenaria a pena de morte?
CORINGA: DELÍRIO A DOIS (JOKER: FOLIE À DEUX)
Ano: 2024
Direção: Todd Phillips
Distribuidora: Warner Bros.
Duração: 134 min
Elenco: Joaquim Phoenix, Lady Gaga, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Harry Lawtey, e Steve Coogan.
NOTA: 8,0
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